A Agricultura na Lagoa de Óbidos

A Agricultura na Lagoa de Óbidos

Quando se fala da Lagoa de Óbidos é comum associarmos este sistema lagunar à pesca e à apanha de marisco, ainda bem presente na região nos dias de hoje. Contudo, a principal atividade das gerações mais antigas, incluindo a das atuais famílias de pescadores e mariscadores, girava em torno da agricultura.

Quase toda a gente tinha terras para amanhar. Os terrenos eram adubados pelo limo apanhado na lagoa e trabalhados com a ajuda da força de bois. A produção servia para consumo próprio das famílias que, para além da agricultura, também criavam animais para a sua alimentação. Junto à lagoa, para além dos terrenos agrícolas, havia zonas de pastos para o gado e zonas de juncal, de onde se cortava com foições o junco para a cama dos animais.


No final do século XX a atividade da apanha do limo cessou por escassez deste na lagoa (Martins et al, 2007). Com o falecimento dos mais antigos e a emigração dos mais jovens, a atividade agrícola foi sendo abandonada. Atualmente já quase não tem expressão nas comunidades locais da Lagoa de Óbidos. A paisagem está hoje completamente alterada.


No lugar da Foz do Arelho quase todas as casas possuíam um burro para auxiliar nos trabalhos agrícolas. Fotografia de 1970 de Maria de Lurdes Jorge, in Memórias da Lagoa de Óbidos.



In Memórias da Lagoa de Óbidos:
“Antigamente, até onde se pudesse amanhar, amanhava-se”. Aqueles terrenos davam de tudo, desde trigo, pasto, batatas, milho, feijão, repolhos, couves, batatas-doces e vinha. Em casa, por norma, todos criavam galinhas, coelhos, e um porco por ano, cuja carne era depois conservada no salgadouro.


A maior parte destes produtos eram para subsistência ou para troca por outros bens, como peixe vindo da lagoa ou do mar. Contudo, havia quem conseguisse fazer da agricultura uma atividade económica.
Na Foz do Arelho, os terrenos baixios junto à lagoa, chamados de ‘fundadas’, eram dos mais produtivos. “Davam de tudo e duas colheitas anuais”, como era no caso das batatas, o que permitia às pessoas desse lugar ir vendê-las na praça das Caldas da Rainha (José Aniceto da Silva Páscoa).


As famílias que todos os anos vinham passar as férias do verão à Foz do Arelho, onde acampavam junto à lagoa, também compravam vários bens hortícolas e carne às pessoas dali (Maria Emília Irmler, n.1953).


Mas eram poucas as famílias que tinham juntas de bois para lavrar as terras, face a uma área cultivada tão extensa. Isso exigia, por vezes, a contratação do serviço de lavoura a duas ou três pessoas residentes no Gronho, do outro lado da lagoa. Como a distância por terra era muito longa, atrelavam os carros aos bois, sobre eles colocavam as alfaias (charrua e grade), escolhiam a maré mais baixa e atravessavam por dentro da lagoa até à Foz. Uma imagem que, pela sua espetacularidade, ainda hoje permanece na memória de quem ali vivia ou passava. Permaneciam na Foz, onde lhes era dada dormida e guardado o gado, até terminarem o trabalho de lavoura (José Luís Quaresma, n.1954).


No Arelho, apesar da maioria das famílias não ter uma forte ligação económica à pesca e não dispor de uma bateira que lhes permitisse pescar longe da margem, a lagoa e os rios também estavam bem presentes no dia-a-dia das pessoas. Por vezes, “quando se ia para as fazendas, levavam-se galrichos que se armavam junto às margens para se poder comer peixe a meio da manhã e ao almoço“ (Marco António Tomás).
Até mesmo as famílias que trabalhavam na pesca na lagoa e que não possuíam terras, arrendavam pequenas parcelas de terreno para poderem fazer a sua agricultura de subsistência, durante o dia (Policarpo Placer Marques, n.1940).


No Vau, onde atualmente ainda reside a maior comunidade piscatória da Lagoa de Óbidos, o primeiro dinheiro ganho pela população foi o da apanha de limos, que eram utilizados para adubação das fazendas dos agricultores locais e para venda.


“Carregavam os barcos com os limos e depois iam descarregá-los ao Braço [Braço do Bom Sucesso], onde iam os carros de bois buscá-los para as fazendas. Houve grandes pomares na zona ‘postos’ com limo da lagoa, o limo-mestre, que quando crescia chegava quase à superfície da água” (Valdemar Lopes, n.1956).


Referências:







Alguns instrumentos agrícolas utilizados na lavoura:


Grade. Colocada atrás dos bois e servia para gradar a terra. Isabel Rosendo, in Memórias da Lagoa de Óbidos. Grade. Colocada atrás dos bois e servia para gradar a terra. Isabel Rosendo, in Memórias da Lagoa de Óbidos.
Arado ou Charrua. Instrumento agrícola para lavrar a terra, puxado pela força de bois. Isabel Rosendo, in Memórias da Lagoa de Óbidos. Arado ou Charrua. Instrumento agrícola para lavrar a terra, puxado pela força de bois. Isabel Rosendo, in Memórias da Lagoa de Óbidos.
Malhal. Instrumento utilizado para malhar/debulhar o milho. Isabel Rosendo, in Memórias da Lagoa de Óbidos. Malhal. Instrumento utilizado para malhar/debulhar o milho. Isabel Rosendo, in Memórias da Lagoa de Óbidos.
Foice. Instrumento utilizado para desbastar o mato. Isabel Rosendo, in Memórias da Lagoa de Óbidos. Foice. Instrumento utilizado para desbastar o mato. Isabel Rosendo, in Memórias da Lagoa de Óbidos.
Canga. Objeto para colocar sobre um par de bois para trabalhos agrícolas. Isabel Rosendo, in Memórias da Lagoa de Óbidos. Canga. Objeto para colocar sobre um par de bois para trabalhos agrícolas. Isabel Rosendo, in Memórias da Lagoa de Óbidos.
Coleira para colocação no pescoço do burro para atrelar a carroça. Isabel Rosendo, in Memórias da Lagoa de Óbidos. Coleira para colocação no pescoço do burro para atrelar a carroça. Isabel Rosendo, in Memórias da Lagoa de Óbidos.
Chocalhos. Utilizados no gado. Isabel Rosendo, in Memórias da Lagoa de Óbidos. Chocalhos. Utilizados no gado. Isabel Rosendo, in Memórias da Lagoa de Óbidos.